sábado, 14 de novembro de 2009

vinte escovadas antes de dormir.

Esta é uma história real, aconteceu com uma amiga de uma amiga minha das quais não conheço nenhuma ainda. Dizem que é mentira, pois nunca foi contada antes, mas verdadeira se for parar para pensar nos fatos de mentirinha mais sinceros que já houve.
Dois olhos não piscavam na escuridão de um cinema vazio a não ser por três moças, duas moscas e um lanterninha que bocejava na sessão de número 31 do filme “Jules e Jim” de François Truffaut. A menina de olhos tão pretos quanto o breu que a envolvia assistia maravilhada a cena final do clássico que tanto adorava não deixando de fazer suas associações malucas, pois em sua mente surgiu Amélie Poulain vendo o mesmo filme que ela via e que por sinal era interpretada pela atriz Audrey Tautou, que por acaso era xará de Audrey Hepburn que estrelou ao lado de Humphrey Bogard em Sabrina e que apesar da história não bater, tinha um triângulo amoroso assim como Jules e Jim! A menina dá um pequeno sorriso de satisfação ao ver a cena do carro caindo enquanto pensava sem querer quantos anos tinha aquele lanterninha na escuridão. Será que ele tinha um amigo que topasse ser Jim? Ela não se importaria de ser Catherine...
Depois do filme, Dora passa ao lado do lanterninha moreno que devia ter uns vinte e seis anos fazendo o máximo para que ele notasse a sua presença. Ela levanta seus cabelos longos e ondulados para cima e sorri encantadoramente para os olhos verdes cansados do rapaz e sua mão máscula com aquele anel de compromisso no dedo anular! Ai... Ela repete para si mesma enquanto se enrolava no cachecol frustrada consigo mesma por mais uma vez confundir fantasia com realidade, era ÓBVIO que coisas assim não aconteciam: coincidentemente havia uma linda garota distraída e um garoto mais lindo ainda dando sopa que acidentalmente se encontravam e ali descobriam que eram feitos um para o outro com apenas um olhar.
A vida no cinema é bem mais fácil, era o que pensava ao passar perto de um café de esquina com seus casais tomando cappuccino e conversando romanticamente. Era muito fácil ir viajar de volta para Paris depois de passar um tempo com a sua avó em Budapeste e no caminho encontrar um americano maravilhoso e passar com ele um dia inteiro em Viena descobrindo que aquela pessoa era a sua pessoa. Agora só faltava ter uma avó na Hungria, morar na França e o americano... Um detalhe que podia se resolver depois. Tão mais fácil saber que o gênero do seu filme era romance... Se a história era sua logo você era a protagonista, logo se concluí que você teria um par romântico de preferência lindo, gostoso e amor da sua vida. O cara do filme de terror ao saber que seu gênero era o terror já saberia que iria morrer no final e aí poderia acabar logo com isso do que ficar um perseguindo o outro e encurtar as coisas morrendo de uma vez nos primeiros minutos de filme. O suspense saberia o culpado de cara e o filme se tornaria um curta, ou pior, um trailer... Não, Dora faz careta para si mesma enquanto atravessava a rua distraída, não daria certo, partindo deste princípio não teríamos filmes... O que vale é ficar lá sentado em duas horas tentando descobrir o que vai acontecer com o Hannibal no final, se o Billy vai conseguir passar no teste de balé ou se a Jodie Foster vai ficar bem na trama de Táxi Driver.
É... Mas se você acabar descobrindo que seu gênero é o drama?? Ai meu Deus... Dora morde o lábio inferior com um pouco de medo. Nunca tinha parado para pensar nisso... Num drama a personagem principal morre ou fica sem ninguém no final. NÃO! Dane-se a morte, e se ela ficasse sozinha para sempre? Não queria ser Coco Chanel, ou a Viola (se bem que o Shakespeare não tinha morrido, mas os dois não ficaram juntos e é o que importa), ou quem sabe o Landon!! Não... Seu gênero era o drama!! Mas peraí. Dora quase dá um encontrão com um casal de velhinhos que passava por ali abrindo os olhos e levantando as pálpebras se lembrado de um pequenino detalhezinho. Ela não tinha ninguém para morrer e ela ficar sozinha. Ah, é... Detalhezinho.
Mas se não era drama, qual era o seu gênero? Sua vida era tão desinteressante que não ganhava nem o status de comédia pastelão? De preferência as do Buster Keaton ou Charles Chaplin ela pensa voltando correndo umas duas quadras que tinha passado de sua casa. Era tão fácil... Tão fácil chegar no hall de entrada de seu apartamento e encontrar um loiro bonito chamado por você de Paulbaby e no final se apaixonar por ele, mas lá não tinha ninguém, no máximo Dóris: a faxineira alemã que tinha uma verruga maior que o país de Luxemburgo no queixo.
Dora chega em casa e nem liga as luzes da sala, vai direto para a cozinha abrindo a geladeira no escuro e pegando em seguida um pedaço de queijo que já estava fazendo aniversário. Ela senta no chão retirando as botas se lembrando de Bridget Jones... Estava no fundo do poço, não tinha um Harry para sua Sally interior, um Christian para sua Satine ou um Jigsaw para a tortura que seu coração estava sofrendo a sangue frio.
Era bem injusto ter tanta coisa para dar e ninguém para receber, Dora reflete sozinha sentada no azulejo limpando com a língua a frente dos dentes. Garbo a entenderia, mais ainda, Norma Desmond na cena final da escada. Droga... Ela estava louca ali, Dora pára de comer o queijo mofado se preocupando agora com a sua saúde mental.
Ela desiste de se martirizar mais e vai de uma vez dormir, não iria mais pensar naquilo, chão Dora, era o que mais rolava na sua mente como um mantra de realidade crua e cruel para falar a verdade, mas tinha que ser assim: radical. Amanhã nada de filmes. Nada mesmo. Niente. No. Het. Nein... Nein? Alemão... Está passando o festival de expressionismo alemão no Cinemathèque... Hum. Será que vampiros existem??
Dois olhos não piscavam na escuridão de um quarto vazio a não ser por três luzes acesas no lado de fora da janela, duas cobertas de lã que cobriam uma menina que agora não conseguia mais dormir...

3 comentários:

  1. Gosto das ligações: "um queijo que já fazia aniversário".
    Hahahahaha! Muito bom mesmo.
    Ai! Hesitou Bruna enquanto levantava a sobrancelha esquerda e colocava o dedo indicador nos lábios: O que será que a Laís quer dizer?
    :P

    marcadores: espelho - reflexão não literal - uso de uma personagem - expressão

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  2. oie pessoa!!!
    tudo bem?
    to meio sumida, mas voltei... corre corre de facul...


    belo texto e adorei o nome da protagonista... acho que vou transformá-la em personagem secundário de um conto meu, posso???


    bjus

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