quinta-feira, 4 de junho de 2009

Magical Mystery Tour - Capítulo 4

She Came Through The Bathroom Window

19:20 pm

De repente a porta da frente se abre, um casal que se agarrava e se beijava tropeça na mesinha de centro, trocam olhares risonhos e continuam a se amassar na sala escura. Os dois se abraçavam esbarrando em tudo pela casa até chegar o quarto do casal; retiram a roupa como se estivesse muito calor, se beijam tão ardentemente como se fosse a última vez, se deitam tão violentamente sobre a cama como se...
-Cheguei!

19:28 pm

-Ela entrou pela janela do banheiro, tenho certeza.
-Como assim "pela janela do banheiro"? Temos que ligar para a polícia, essa menina pode ser perigosa.
-Claro, ela ia nos assaltar armada como uma colher de prata. Que imaginação amor...
A mulher de olhos verdes encara incrédula seu marido que sorria despreocupado a cerca da invasão de sua casa.
-Você não sabe o quanto foi traumático ver uma menina que devia ter o quê? 20 anos, senão menos... Na minha cozinha, na minha casa, chupando o polegar com uma colher na mão e ainda por cima me olhando com aquele olhar vazio de drogada! Por favor! Como consegue ser tão imparcial quanto a isso?
O homem grisalho abraça sua mulher que estava tão perturbada que nem se lembra em retribuir o carinho. Ele a encara com os olhos e sorri segurando suas bochechas com pequenas rugas:
-Não estou imparcial, já disse que pode ser uma garota na qual eu conheço. Você não disse que era uma menina de mais ou menos 20 anos com cabelo pintado de rosa claro? Talvez seja a Molly.
-Molly? De onde conhece essa Molly? Pelo que eu saiba nosso círculo de amigos não frequentam esse tipo de...
A mulher frisa os olhos tentando achar uma palavra menos emblemática do que: problemática, doida ou criminosa.
-Estranha.
O marido sorri soltando-a aos poucos e indo em direção ao sofá, após sentar-se e beber um gole de conhaque e ele retoma seu raciocínio convincentemente arquitetado há cinco minutos:
-Lembra de quando eu trabalhava na polícia?
A mulher faz com que sim mexendo a cabeça e de braços cruzados ainda em suspeita de alguma coisa errada naquela história toda.
-Então, não queria expor a menina, mas...
O homem a observa com pesar e suspira lentamente antes tomar outro gole da bebida:
-Ela, sabe, tem problemas.
-Problemas?
-Sim, problemas seríssimos de loucura. Diziam que ficava com aquela expressão vazia por dentro, pois se indagava sobre a vida remando às margens de sua própria lagoa de lágrimas internas.
-Faça-me o favor! De onde você tirou essa frase feita barata?
-Amor, eu juro! Ela apareceu um dia por lá na delegacia porque roubava objetos brilhantes das casas das pessoas. E para falar a verdade, acho que foi por isso que pegou aquela colher, vai por mim.
Ele a olha levantando as sobrancelhas girando o dedo indicador ao lado da cabeça enquanto ela ainda o encarava desconfiada e ao mesmo tempo convencida.
-Será que ninguém nunca contou a ela sobre esses problemas? Será que ninguém nunca viu? Essa menina não devia ter sido levada para a delegacia e sim para o hospício! Onde já se viu entrar nas casas dos outros só para pegar objetos brilhantes...
-Com certeza.
O homem grisalho suspira aliviado tomando outro gole de conhaque vendo sua mulher passar a mão no queixo como se tentasse assimilar tudo o que tinha ocorrido. Estava dando tudo certo, ele pensa se escondendo atrás do copo imaginando o quanto tinha tido sorte naquela situação. Poderia por tudo a perder por causa daquela menina louca, ainda bem, ele reflete de novo, que está dando tudo certo.
-Molly... Molly... Molly! Ah! Agora eu me lembrei! Molly era o nome da menina que sua secretária falou que telefonava para você nos domingos!
O homem sem querer se engasga sem ao menos ter bebido.
-Achou que podia me enganar?
A esposa aponta para o marido com o dedo indicador como se de alguma forma aquilo o fizesse de vez falar a verdade. Seus olhos brilhavam e não sabia se estava sem ar por descobrir que seu marido tinha uma amante ou porque estava falando mais rápido do que o normal.
-Na verdade só foram duas vezes.

E ele se surpreende por ter dito a verdade arqueando as sobrancelhas sem querer.
-É isso, não é? Diga a verdade! Era essa tal de Molly que te telefonava aos domingos?
-Querida, tudo bem. Era ela que telefonava aos domingos para Monday. Mas pedia à minha secretária para não falar nada, pois eram só...
-Ah sim! Claro! Ela telefonava para mim também, só que nas terças!
-Estou te dizendo, só me telefonava para ameaçar dizendo que algum dia ainda iria vir aqui em casa para pegar objetos brilhantes.
-Sim... Viria aqui com aquela lingerie de cabaré cheia de lantejoulas e mais não sei o que?
-Ela dizia que sempre fora dançarina, por isso o do cabelo curtinho e pintado. Disse também que dançava em quinze clubes por dia.
-Ela te disse isso ontem? No domingo?
A mulher o desafia de braços cruzados vendo-o se levantar e tentar uma postura mais ereta para se defender.
-Mas é claro que não. Tudo o que eu sei é que ainda delira com perguntas de como pode sair de sua lagoa ou algo assim, embora ela imagine que eu saiba a resposta, mas bem, eu não poderia dizer, já que eu não sei o que se passa naquela mente insana!
-Isso aconteceu na época que deixou o departamento de polícia?
-Foi exatamente por esse motivo que larguei e arranjei um trabalho fixo onde ela não poderia mais nos importunar com perguntas aporéticas malucas e psicóticas. É uma boa menina, talvez achasse que eu poderia ser, quem sabe, seu segundo pai? Quem te desse a orientação que não teve.
-E embora ela faça ainda de tudo para colaborar contigo nesse quesito, não é?
De repente o sentimento que rondava a sala vira outro. Não é mais a cobrança e a desconfiança que emanava, mas sim a de falta e impotência que assombrava os olhos verdes da senhora que se sentava no sofá abraçando a si própria.
No momento que isso aconteceu, o marido pela primeira vez naquela noite se sentiu culpado. Tocara num ponto fraco entre os dois, o fato de não terem tido filhos sensibilizava sua mulher e o tornava adultero. Essa constatação o deixou mal. Ele a olha e se sente ainda pior. Aquela aventura só servira para despejar uma carência que nunca tinha percebido. O modo como tratava Molly muitas vezes ia mais para o lado paternal do que emocional de homem e mulher, por isso tanta a diferença de idade entre eles. Podia ser sua filha.
-Me desculpe por não ter te contado. Eu sempre quis, mas não consegui. Desculpe.
Ele a puxa para um abraço e fecha os olhos.
-Tudo bem...
Seus olhares se encontram e mais uma vez a paz reina entre eles. A chuva chamada Molly podia ter trazido trovões, mudanças de correnteza e inundações, mas que ao partir conectara os dois através de um arco-íris.
-Ela não roubou nada não, não é?
A mulher sorri com sarcasmo olhando novamente para o banheiro com a luz ligada.
-Ela furta, mas se recusa a roubar. Pelo menos foi o que me disse da última vez que nos vimos quando... Furtou sua colher.

19:49 pm

Abaixo da janela do banheiro, um tufo de cabelo rosa claro vibrava emanando um barulho quase imperceptível. A menina de apenas sutiã verde e um short curto com lantejoulas azuis ria enquanto lambia a colher de prata com ainda resquícios de chocolate. Quer dizer então que não roubava?... Realmente não se enganara com o papai ali, como sempre ele era muito gentil. Eles eram de fato uma família feliz, pensou. Que bom que pode ajudar a fazer eles se entenderem.
A menina então joga a blusa no ombro e caminha pela rua deserta enquanto assobiava uma música sem letra definida.

2 comentários:

  1. Muito booom! Cara, eu acompanho ansiosa.
    Agora falta o 5º!

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  2. Mal posso esperar pelo próximo capítulo.


    Essa garota, hein?

    haha

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